Vindimas são sempre festa, é a altura de colher o fruto do trabalho de um ano inteiro. Para nós este ano foi ainda mais especial porque fazemos 40 anos. Em 1982, João António Cerdeira criou, na garagem da família, a primeira marca de Alvarinho em Melgaço: o Soalheiro. Depois disso, os familiares, vizinhos e amigos mais próximos foram sendo convencidos de que o Alvarinho era o caminho mais sustentável para as pequenas parcelas agrícolas que detinham e foram plantando, foram-se juntando. Nasce aí o nosso Clube de Viticultores, já são mais de 150 famílias que, na sua maioria, tendo outras ocupações profissionais, se dedicam ao Alvarinho ao final do dia e aos fins de semana, obtendo um rendimento complementar. Agora os vinhos do Soalheiro nascem em pequenas parcelas espalhadas por todo o território, uma manta de retalhos onde cada parcela conta a história de uma família, tal como a nossa. A vontade repete-se todos anos, cada um com as suas particularidades.
De um ano em que as temperaturas foram muito altas e a água escasseou, em que continuamos a evoluir e a refinar as várias vindimas que já fazemos há alguns anos, algumas conclusões:
- A diversidade traz equilíbrio e consistência | como hoje em dia os vinhos do Soalheiro nascem em pequenas parcelas espalhadas por todo o território, a diversidade é muito grande. Há parcelas mais viradas a Norte, mais frescas, e outras mais viradas a Sul, mais expostas ao calor. Além disso, há parcelas onde a falta de água se nota mais e outras onde não se notou. Solos mais húmidos por natureza e outros mais secos. De tudo isto, nasce um equilíbrio, ainda mais evidente em anos extremos este.
- A diversidade traz conhecimento do lugar | cada uma destas parcelas é tratada, pelas mais de 150 famílias de viticultores que fazem parte do nosso Clube de Viticultores, como um jardim. Um bom exemplo é o que por cá se chama de pentear a vinha, um trabalho moroso e manual exigido pela forma de condução das videiras mais comum no nosso território, o cordão simples retombante, que espelha bem como a atenção a cada videira nos ajuda a lidar com um ano assim tão quente. As videiras são penteadas após a floração – que este ano aconteceu por volta do dia 25 de maio -, ou seja, as varas são desenvencilhadas para arejar os cachos e algumas folhas são retiradas. A nascente abre-se mais a vinha, a poente não, porque o sol incide mais. Entre parcelas, também há diferenças: nas mais expostas ao sol, abrem-se menos as videiras. O cuidado próximo e criterioso ajuda a defender as plantas em anos extremos, mas para isso é preciso conhecimento do lugar e atenção constante, como se diz por cá, “falar com elas todos os dias”.
- A preservação das vinhas velhas melhora a gestão do stress e consumo de água | o Soalheiro, vinha que deu o nome à nossa marca e que foi a primeira vinha contínua de Alvarinho em Melgaço, tem sido para nós um local de aprendizagem, através do estudo contínuo e em colaboração com vários projetos académicos, sobre como preservar o melhor possível as vinhas mais antigas num território onde não existia esta tradição. Temos feito este trabalho de sensibilização e partilha de conhecimento com o nosso Clube de Viticultores porque acreditamos muito no potencial das vinhas velhas e na verdade estas resistem muito melhor a anos secos e de muito calor porque as raízes estão implantadas de forma muito mais profunda no solo, os solos são mais estáveis.
- A altitude traz equilíbrio aos clássicos do vale | o Alvarinho na nossa região nasceu no vale, mas a aposta no Alvarinho de altitude levou a que os viticultores começassem a plantar vinhas cada vez mais altas nas encostas das montanhas que circundam o vale de Monção e Melgaço. A cada 100 metros que subimos, a temperatura desce, em média, um grau centígrado. Mesmo que os regos que trazem a água da montanha para o vale tenham menos caudal, em anos de seca é mais fácil que chegue a água às parcelas mais altas. Já há alguns anos que plantámos uma vinha experimental na Branda da Aveleira, a 1100 metros de altitude, com a ideia de estudar como evolui o Alvarinho num cenário-limite em termos de altitude. As características deste Alvarinho, mais mineral e austero, ajudam, em anos como este, a trazer equilíbrio aos clássicos do vale.
O CICLO DA VINHA
UM ANO MUITO SECO DESDE O INÍCIO
Já no Inverno o nível de precipitação esteve bastante abaixo do normal na região – esta é uma fase em que, embora a vinha esteja dormente, se enchem as reservas de água que vão depois permitir regar a vinha nos meses de Verão, onde a precipitação por norma é mais escassa. Começou a ditar-se aqui a escassez de água uns meses depois. O abrolhamento ocorreu na segunda quinzena de março, cerca de duas semanas mais tarde que no ano anterior. Depois de surgirem as primeiras inflorescências já em Abril, a plena floração ocorreu na quarta semana de Maio, por volta do dia 25 – cerca de 10 dias mais tarde que o ano passado. Depois da precipitação escassa no Inverno, na Primavera e Verão praticamente não choveu. Se em termos de água disponível não ajudou, contribuiu para um ano de muito pouca doença na vinha. No nosso território as doenças na vinha estão diretamente ligadas à muita humidade que este ano foi mais moderada. Apesar disso, como é costume, houve algumas manhãs de Junho com bastante névoa, seguidas de dias de sol forte, o que trouxe um desafio para os viticultores – nesta altura, quando o crescimento vegetativo já se fazia notar, foi fundamental arejar os cachos, penteando a vinha, desenvencilhando varas para a humidade não se concentrar por entre a vegetação, sendo minucioso para não expor demasiado os cachos e evitar que se queimassem nos períodos de calor extremo.
VINDIMAS QUE SE FORAM ANTECIPANDO
A maturação iniciou-se em finais de Julho e fizemos os primeiros controles no início de Agosto – dia 7. Como temos as parcelas de todos os viticultores localizadas e caracterizadas (área, idade da vinha, altitude, sistema de condução, tipo de solo…), partimos de uma amostra representativa e exaustiva com o objetivo de marcar a vindima da forma mais criteriosa possível para cada parcela, incluindo-a num dos vários grupos que definimos, numa das várias vindimas que fazemos. No controle de maturação de dia 7 de Agosto, estávamos atrasados em relação ao ano anterior cerca de 5 dias. Passado uma semana, já se percebia uma evolução e no controle de dia 21, decidimos apontar o início das vindimas para o fim do mês. Acabámos por iniciar as vindimas no final de Agosto e mais cedo do que tínhamos inicialmente previsto.
Como em quase todas as vindimas no Minho temos a antes e a depois da chuva. Como antecipámos acabámos por vindimar grande parte das uvas na fase seca. Este ano, pela primeira vez, marcámos vindimas/recebemos uvas na adega aos domingos. Tomámos essa decisão porque a cultura familiar de Monção e Melgaço leva a que muitos viticultores nos peçam para vindimar ao fim de semana, para terem familiares e amigos disponíveis para ajudar – conseguimos receber muito mais uvas do que o costume nos fins de semana. Em relação ao habitual, esta decisão acabou por nos ajudar a ter uma parte bem maior das vindimas feita ao fim de duas semanas, o que fez com que a possível aceleração da maturação com a chuva que caiu durante as vindimas não se fizesse sentir.
QUALIDADES E QUANTIDADE
Nesta altura, já há algumas conclusões que se podem tirar acerca das qualidades desta colheita 2022. O álcool será, em média, superior ao da colheita anterior, mas apesar das temperaturas elevadas que se fizeram sentir neste Verão, as quebras de acidez foram mais moderadas que o esperado. A subida do álcool deveu-se, em parte, à desidratação das uvas, o calor e a pouca chuva também levaram a que existisse uma concentração de acidez porque com temperaturas altas e sem humidade no solo, a fotossíntese da planta é reduzida, o que faz com que a degradação dos ácidos seja menor. Em resumo, com a marcação de uma vindima precoce e feita de forma célere, aliada ao posterior trabalho na adega, estamos convictos que será uma colheita onde vamos conseguir o equilíbrio que procuramos no Soalheiro: vinhos que refletem o território, com elegância e precisão.
A quantidade de uvas no nosso Clube de Viticultores tem crescido organicamente, de forma estável, colheita após colheita. Nesse aspeto, este foi um ano muito particular: foi um ano de cachos sãos e perfeitos, mas mais pequenos e leves que o habitual. Comparando a mesma área de vinha com o ano anterior, houve perdas médias de 10% relacionadas com o peso das uvas ser menor devido à escassez de água. Mas, como há muitos viticultores que foram aumentando a área, que têm parcelas que plantaram há poucos anos a começar a produzir, que vão plantando novas, e há novos viticultores que se vão juntando ao nosso clube, acabou por ser um ano onde voltamos a ter um aumento estável na quantidade de uvas recebida durante as vindimas. Valorizar o território, o Alvarinho, os viticultores, significou mais famílias ligadas ao Alvarinho, um crescimento do negócio de cada uma destas famílias – esta soma de pequenos crescimentos tem garantido uma grande diversidade de uvas e a qualidade de sempre. É a consequência de uma estratégia de valorização que queremos continuar em Monção e Melgaço.
AS VÁRIAS VINDIMAS
No que toca ao Alvarinho, começámos no dia 31 de Agosto por algumas parcelas de Alvarinho biológico, no sistema ascendente, onde as uvas, por estarem mais expostas ao sol e mostrarem um grande bem-estar, se mostraram bastante precoces. Logo no dia 1 de Setembro vindimámos a nossa parcela de Pé Franco e no dia de 2 de Setembro, pela primeira vez, uma parcela próxima ao rio que nos chamou a atenção pelo solo com características muito particulares. Os primeiros grandes dias de vindima de Alvarinho nas parcelas do vale foram os do fim de semana de 3 e 4 de Setembro – a vindima no vale foi-se estendendo pelas duas semanas seguintes, sendo que todos os dias diferenciámos prensagens e mostos consoante particularidades das parcelas e fim a que se destinavam. Focámo-nos em três grandes categorias no Alvarinho: vale, altitude e vinhas velhas. O grande dia da vindima de vinhas velhas foi o 15 Setembro, dia sempre marcante em que vindimámos o Soalheiro, vinha plantada em 1974 que deu o nome à nossa marca – hoje em dia, já existem várias parcelas no nosso Clube de Viticultores com mais de 30 anos, engrossando um potencial que nos motiva muito explorar. No que toca à vindima do Alvarinho de altitude, os grandes dias foram os do fim de semana de 17 e 18 de Setembro, sendo de notar que hoje em dia já há viticultores com parcelas plantadas a 400 ou 500 metros, o que seria verdadeiramente impensável há uns anos atrás, prova de que a aposta pioneira num Alvarinho de altitude em 2015, o Granit, abriu novos horizontes no território.
No que toca a outras castas, vindimámos a 2 de Setembro o Sauvignon Blanc, o Pinot Noir a 5 de Setembro e o Loureiro para o ALLO nos dias 6, 7 e 8 de Setembro – todas estas castas são oriundas de uma zona mais atlântica dos Vinhos Verdes, vindimas onde pretendemos conservar a maior frescura possível. O Loureiro de vinhas velhas para o Germinar, onde procurámos uma maior complexidade, só vindimámos a 14 de Setembro. O Alvarelhão foi vindimado e pisado no lagar no dia 16 de Setembro. Para terminar as vindimas, nos dias 19 e 20 de Setembro, vindimámos algumas parcelas onde existe uma mistura de castas tintas autóctones, algumas centenárias, para trabalharmos numa espécie de Field Blend.